Cientistas defendem fim da regra do consenso nas decisões mundiais de ambiente

Foto
Decisões nas conferências mundiais de ambiente normalmente exigem unanimidade Keld Navntoft/AFP

Quem já assistiu a uma conferência climática da ONU conhece bem a cena. Nos plenários finais, quando todas as decisões têm de ser aprovadas por unanimidade, basta que um delegado de qualquer país levante o braço em desacordo, e tudo volta à estaca zero.

Um grupo de cientistas sociais defende, agora, que a regra do consenso seja substituída por sistemas de maioria qualificada, de modo a acelerar decisões importantes na área do ambiente e da sustentabilidade. “A investigação na área da ciência política mostra que sistemas de governação que se baseiam na regra da maioria são mais rápidos a chegar a decisões de grande alcance e que os sistemas baseados no consenso limitam as decisões às preferências dos país menos ambiciosos”, sustentam 32 cientistas de vários países, num artigo publicado esta sexta-feira na revista Science.

Não é difícil encontrar exemplos. No último conselho de ministros do Ambiente da União Europeia, sexta-feira passada, a Polónia, sozinha, bloqueou uma decisão sobre os planos para reduzir as emissões europeias de CO2 em 80% até ao meio do século. Os interesses daquele país, fortemente dependente do carvão, prevaleceram sobre os dos 26 outros Estados-membros da UE, que estavam dispostos a seguir adiante.

Alterar os mecanismos de decisão na ONU em particular é um dos pilares para a reformulação da governação global do ambiente propostos pelos cientistas que subscrevem o artigo na Science – envolvidos no Earth System Governance Project, um programa de investigação que congrega uma rede mundial de especialistas nas ciências sociais.

O artigo baseia-se em perguntas específicas feitas a quatro dezenas de cientistas em 2011. A principal conclusão é a de que pequenos avanços “já não são suficientes para promover mudanças sociais a um nível e com a velocidade necessária para reduzir ou adaptar às transformações no sistema da Terra”. Ou seja, é necessário uma alteração não só profunda como rápida nos mecanismos de governação mundial.

Os cientistas defendem, por exemplo, a elevação dos programas de ambiente da ONU a agências de facto, bem como a criação de um conselho para o desenvolvimento sustentável, sob a tutela directa da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Este conselho deveria dar mais voz ao G-20 – os países com as maiores economias do mundo e que somam dois terços da população e 90% da riqueza global. O G-20 deveria ter pelo menos metade dos votos no conselho, que só assim poderá “ter uma influência significativa em áreas como a governação económica e do comércio”, justifica o artigo.

Maior transparência das agências internacionais, mais financiamento aos países mais pobres e novos tratados mundiais para tecnologias emergentes, como a nanotecnologia, bio-materias e geo-engenharia, completam o menu de sugestões.

As propostas pretendem alimentar o debate que será travado na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em Junho. Um dos temas centrais em foco no Rio será a reforma institucional necessária para fazer da sustentabilidade algo além de uma mera palavra.

A discussão promete não ser fácil. Entregar o poder de novas instituições globais ao G-20 pode facilmente inflamar os ânimos dos países mais pobres. E eliminar a regra do consenso implica retirar uma arma que muitas nações têm utilizado com frequência nas cimeiras internacionais.

Sugerir correcção
Comentar