Microalgas, as fábricas dos sete ofícios que um dia poderão pôr aviões a voar

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Há 15 tipos diferentes de algas Rui Gaudêncio (arquivo)

Há líquido verde a borbulhar no Lumiar (Lisboa) há mais de 30 anos. A tentativa de produzir combustível a partir de microalgas teve início no final da década de 1970 devido à crise do petróleo. Mas quando Alberto Reis e Luísa Gouveia chegaram ao centro de investigação que é hoje o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em 1986 e 1987, respectivamente, já se tinham feito várias experiências com a microalga Botryococcus braunii para alcançar o esperado, sem sucesso.

"O preço para a produção era muito elevado em relação ao combustível fóssil", diz ao PÚBLICO Alberto Reis, doutorado em Engenharia Química. Nessa altura, o rumo da investigação curvou e foi dar à química fina. Descobriu-se que, no interior celular de cada microalga, existe uma fábrica de vitaminas, pigmentos, antioxidantes, suplementos nutritivos, antibacterianos, anticancerígenos, etc. Produtos que fazem valer o quilo de alga 250 euros, num mercado que alcança as 5000 toneladas.

O desenvolvimento deste campo pode ser positivo, num contexto económico e ambiental mais duro do que o de há 40 anos. "Temos consciência que os biocombustíveis só serão rentáveis, quando retirarmos proveito dos outros produtos", disse Reis. A ideia é extrair da mesma alga vários compostos que têm uma cotação de mercado cara e pagam a extracção do óleo para produzir combustível.

Mar de algas

Recentemente, a Associação Portuguesa de Transporte e Trabalho Aéreo (APTTA) e o LNEG fizeram uma parceria para a produção e utilização de biocombustível para aviões, a partir de microalgas. "Há um estudo de holandeses que diz que, para os combustíveis fósseis utilizados nos transportes serem totalmente substituídos na Europa, Portugal teria que ser um mar de algas", diz Luísa Gouveia, doutorada em Biotecnologia.

A associação pode proporcionar o conhecimento da realidade aérea e possibilitará o teste do combustível em motores de avião, que têm de suportar condições específicas dos voos, como temperaturas muito inferiores às das viagens de automóvel.

Na Unidade de Bioenergia do LNEG, procuram-se as melhores condições para o crescimento e o rendimento das microalgas, que fazem fotossíntese como as plantas, mas só se vêem ao microscópio.

O laboratório tem 15 tipos diferentes destas algas. Numa salinha iluminada com luz artificial vêem-se soluções laranjas, castanhas, verdes, dentro de plásticos grandes, cilindros de vidro ou garrafões de água. As algas só precisam de água, uma fonte de luz, nutrientes e dióxido de carbono. Mas é preciso mexer em todas estas condições para conseguir optimizar a produção de qualquer substância.

No caso de óleo para biocombustível, para se fazer um litro de combustível por dia é necessário uma cultura de 160 metros quadrados de microalgas, dizem os investigadores. Ao contrário de outros combustíveis de origem orgânica, como o óleo de palma ou a cana de açúcar, as microalgas não competem por terra arável.

Além disso, os cientistas submeteram-nas a uma atmosfera com uma concentração de CO2 500 vezes superior à da atmosfera terrestre. Este gás é um dos principais responsáveis pelas alterações climáticas devido à sua libertação durante o consumo de combustíveis fósseis, que atingiu novo recorde em 2010. No laboratório, as microalgas sobreviveram à atmosfera concentrada e consumiram o gás durante a fotossíntese. A partir da experiência, os investigadores defendem que elas poderão ser utilizadas para despoluir o fumo das fábricas, rico em CO2, e noutras situações. "A ETAR de Alcochete está a um passo de tratar efluentes com microalgas", diz Gouveia.

Nem Alberto Reis nem Luísa Gouveia defendem que o futuro passe por uma só fonte de combustível alternativo. Mas dentro de cinco a dez anos, os investigadores esperam testar os primeiros voos com combustível feito a partir de microalgas.

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