Esgotos de 120 mil casas de Lisboa deixaram de ser lançados ao Tejo

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Uma das salas de visita de Lisboa deixa de ter esgotos por tratar Foto: PÚBLICO

Os esgotos domésticos da zona central de Lisboa deixaram de ser despejados directamente, sem tratamento, nas águas do Tejo, como acontecia desde sempre.

Foi há dias, mesmo no início do mês, e sem aviso prévio, que o sistema de saneamento do Tejo e do Trancão, a cargo da em- presa Simtejo, passou a canalizar os efluentes domésticos de cerca de 120 mil residências da capital para processamento na Estação de Tratamento de Águas Residuais de Alcântara.

Em Setembro de 2009, o presidente da câmara, António Costa, qualificou as descargas que até aqui iam parar directamente ao Tejo como "um dos maiores escândalos nacionais", e que era preciso, com urgência, fazer algo pelo ambiente. Não foi fácil, nem barato: foram quatro anos de obras e 100 milhões de euros empregues para que se comece a fazer justiça ao ambiente de Lisboa e às comunidades aquáticas do Tejo, o maior estuário da Europa ocidental, zona de nidificação e crescimento de inúmeras espécies piscícolas e aves marinhas. O rio fica agora limpo? Não, mas, como diz uma bióloga contactada pelo PÚBLICO, o impacto desta alteração será importante, mesmo que ainda demore algum tempo a fazer-se sentir (ver caixa).

O anúncio desta novidade surgiu, em primeiro lugar, sob a forma de panfleto deixado nas caixas de correio dos lisboetas. Um papel com as- sinatura institucional da Câmara de Lisboa e da Simtejo, da qual a autarquia é a segunda maior accionista, no qual se dizia: "Ano novo, Tejo limpo! O fado do Tejo mudou!" Ao que o PÚBLICO apurou, o acto oficial de inauguração ocorrerá no próximo sábado.

Marcelo: sonho demorado

Foi há 21 anos que Marcelo Rebelo de Sousa, então candidato à presidência da Câmara de Lisboa, se atirou às águas do Tejo. Com aquela acção, muito mediática, pretendia chamar a atenção para a poluição daquelas águas. Passados 21 anos, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou ontem a sua satisfação pelo fim daquele flagelo. "Quando me atirei à água, apanhei com uma descarga em Belém. Recordo-me, foi junto ao Padrão dos Descobrimentos. É esta, agora, uma boa notícia, mas um sonho que levou muitos anos a concretizar", disse ao PÚBLICO.

As descargas de efluentes não tratados ocorriam em Santa Apolónia, também ao lado do Cais das Colunas, e em Belém. Só em 2009, por altura de outros trabalhos no Terreiro do Paço, foram interceptados os colectores oriundos das ruas do Ouro, Augusta e da Prata e de Santa Apolónia.

Numa segunda fase foram construídas estações elevatórias e um emissário submarino, ao mesmo tempo que também se canalizaram os efluentes que eram despejados em Belém para a conduta que segue para Alcântara. E em Dezembro houve outra intervenção sob o novo piso do Terreiro do Paço, para colocar um sistema de válvulas que impede a entrada de água do Tejo no interceptor. Numa terceira fase, outras obras dos sistemas da Simarsul (Margem Sul) e Sanest (Costa do Estoril) irão contribuir para melhorar todo o estuário.

Benefícios para o estuário do Tejo

Para Maria José Costa, bióloga no Centro de Oceanografia e professora catedrática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a situação do Tejo na zona de Lisboa é considerada "grave", embora admita que "podia estar pior".

"Acontece que o estuário, por ser dos maiores da Europa, tem um grande hidrodinamismo, que o favorece, e com a ausência de descargas directas deverá favorecer a sua biodiversidade. Julgo que no prazo de um ano vamos ter um equilíbrio, uma resposta rápida dos ecossistemas", disse a investigadora, doutorada em Ecologia Animal.

Mas se o estuário poderá dar essa boa resposta, ainda que o fenómeno tenda a ser localizado e não generalizado - diz a bióloga que assim acontece na zona do Parque das Nações, intervencionada para a realização da Expo "98 -, o mesmo não significa que deixe de estar poluído. "É preciso realizar estudos experimentais sobre o que vai acontecer. É preciso ter cuidado com as lamas, que não devem ser mexidas, pois podem ter metais pesados", alerta, admitindo que aqueles poluentes podem ter corrido pelos esgotos. "Tudo depende do que as pessoas atiram fora pelos seus vazadouros domésticos", especificou Maria José Costa. Muito sensíveis aos poluentes são as comunidades bentónicas (organismos associados aos sedimentos, caso de muitas espécies de bivalves). "Só podem melhorar, mesmo que haja espécies muito resistentes", esclarece, afirmando ainda que a comunidade piscícola tem encontrado mais problemas com as barragens do que com os focos de poluição: "Os sáveis, ou as lampreias, querem regressar aos locais onde nasceram e não conseguem."

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