A vida já não é fácil para os anfíbios da Península Ibérica, região rica em espécies endémicas. Poluição dos cursos de água, perseguição por espécies exóticas invasoras e perda de habitats como as lagoas temporárias compõem o caldeirão das ameaças. Mas ainda há espaço para piorar, nomeadamente num cenário de alterações climáticas.
A rã-verde não está entre as espécies consideradas mais vulneráveis
(Paulo Ricca)
Dentro de dez anos, a vida vai complicar-se a sério para a rã-ibérica, rã-pirenaica, sapo-parteiro-bético, salamandra-lusitânica, tritão-pirenaico, rã-de-focinho-pontiagudo. Estas seis espécies, que só existem na Península Ibérica, foram identificadas como as mais vulneráveis às mudanças do clima no âmbito do trabalho de doutoramento de Sílvia Carvalho, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), que está prestes a terminar.
O seu projecto de investigação pretendeu avaliar os impactos das alterações climáticas na futura distribuição dos anfíbios ibéricos em 2020, 2050 e 2080, com base em seis cenários climáticos. Para isso foi analisada a exposição de cada espécie a um mundo mais quente e menos chuvoso e a sua sensibilidade a essas alterações.
Alertando que estas não são previsões absolutas, Sílvia Carvalho afirmou que "a descida da precipitação e o aumento da temperatura" vão aumentar a vulnerabilidade daquelas espécies. A investigadora falava na conferência Ecologia e Conservação de Anfíbios, que decorreu sexta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, iniciativa da Naturlink e do CIBIO.
Sílvia Carvalho notou que a Península Ibérica é um dos locais onde os impactos das alterações climáticas poderão afectar mais a forma como os anfíbios se distribuem no território. E algumas daquelas espécies já estão confinadas a territórios muito limitados. Como acontece com a salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica). Esta espécie está classificada como vulnerável pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, de 2005, e tem populações severamente fragmentadas em zonas densamente povoadas. Hoje está confinada às margens de ribeiros da Região Noroeste de Portugal, a maioria a norte do rio Douro. Segundo o Atlas dos Anfíbios e Répteis de Portugal - cuja segunda edição foi lançada em Abril -, a espécie depende de zonas com "clima temperado", "elevada precipitação e humidade".
Elevada dependência da água
O problema climático destas espécies é que "os anfíbios têm uma fisiologia muito relacionada com a água e são muito sensíveis à temperatura", explicou Sílvia Carvalho. Além da elevada dependência da água, estes animais têm uma capacidade "bastante limitada" para fugir para outros territórios mais adequados à sua sobrevivência. Segundo a investigadora, a rã-pirenaica pode mesmo perder todo o seu habitat, que passará a ser mais quente e a receber menos água das chuvas.
A rã-de-focinho-pontiagudo (Discoglossus galganoi) também faz parte da lista restrita dos mais vulneráveis às mudanças do clima. Não porque o seu habitat esteja muito condicionado. Antes pelo contrário, esta rã ocorre por todo o território, sendo mais rara nas regiões das Beiras e de Trás-os-Montes. A sua vulnerabilidade advém da grande dependência de massas de água temporárias para se reproduzir. E estes micro-habitats serão, por si, sensíveis ao clima.
Mas nem tudo são más notícias para o mundo dos anfíbios. Segundo o estudo de Sílvia Carvalho, o sapinho-de-verrugas-verdes (Pelodytes spp.) deverá ver a sua área de distribuição aumentar. Actualmente, esta espécie ocorre praticamente em todo o território a sul do rio Tejo, estendendo-se para norte até à região de Vila do Conde através do litoral, segundo o Atlas de Anfíbios e Répteis.
Plano para erradicar rã invasora em Oeiras vai começar dentro de dias
Espécies exóticas invasoras são uma dor de cabeça para quase todas as espécies de anfíbios em Portugal. Há quem os veja como autênticas máquinas sem falhas e sem predadores.
À galeria de "mal-amados" juntou-se muito recentemente a rã-de-unhas-africana (Xenopus laevis). Por enquanto, esta espécie originária da África subsariana apenas foi detectada nas ribeiras da Laje e da Barcarena, no concelho de Oeiras.
"Esta espécie alimenta-se de ovos, larvas e adultos de outros anfíbios, lagostins, peixes de água doce, vermes e moluscos", explicou Rui Rebelo, herpetólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). "Será bastante assustador: esta rã pode comer todos os outros anfíbios", alertou.
Antes que a espécie comece a colonizar outros cursos de água, vai arrancar este mês o plano de erradicação desta espécie exótica para os próximos cinco anos. A estratégia foi preparada pela FCUL e Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras.
Além de proteger os anfíbios das exóticas invasoras, um Portugal mais amigo destas espécies deveria "conservar as pequenas zonas húmidas" das quais dependem, considera José Teixeira, do CIBIO. Nomeadamente as lagoas temporárias, habitats prioritários que estão a desaparecer por causa da intensificação agrícola e expansão urbana.
"Já sabemos o que temos de fazer para ajudar os anfíbios, mas o que é certo é que não tem sido dada muita atenção" a este grupo, acrescentou José Teixeira. Uma das coisas a melhorar seria fazer a monitorização da evolução das espécies e saber, por exemplo, qual o impacto das duas doenças que, de momento, afectam os anfíbios em Portugal: o iridovírus, no Gerês, e o fungo cítrico, na serra da Estrela. "Não há um acompanhamento das populações na natureza", lamentou, acrescentando que não se conhece qual o real impacto daquelas doenças nas populações de anfíbios.